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Jornais brasileiros tiram conteúdos do Google News

por Agar, em 22.10.12

Reclamam ao Google pagamento pela utilização das suas notícias

Cada vez mais os jornais querem que o Google lhes paga por utilizar os seus conteúdos. No Brasil, as publicações fora mais longe, já que 145 jornais, que detêm 90% da circulação, decidiram tirar os seus conteúdos do Google News.

A 68ª assembleia geral da Sociedade Interamericana de Imprensa, que decorreu na semana passada, em São Paulo, fez estalar o verniz.

«O Google Notícias beneficia comercialmente deste conteúdo de qualidade e nega-se a discutir um modelo de remuneração pela produção» destes conteúdos, disse o presidente da Associação de Jornais do Brasil, Carlos Fernando Lindenberg, citado pelo «El País».

Ora a Google argumenta que não tem de pagar pelos conteúdos que lista no seu motor de busca, uma vez que esse serviço que fornece tem vantagens para os jornais, ao fazer aumentar o tráfego de utilizadores que, a partir do Google News, clicam nas notícias dos seus sites.

Já do outro lado da barricada argumenta-se pela propriedade intelectual dos meios, assinalando que plataformas como as do Google competem diretamente com os jornais e com as revistas, dado que funcionam como páginas principais que utilizam os seus conteúdos.

A propósito desta polêmica, o gigante da Internet avisou na passada sexta-feira que pode excluir os media franceses da sua pesquisa, se o governo francês adotar uma lei que força os motores de busca a partilhar receita publicitária, proveniente da procura de conteúdo.

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publicado às 13:20

A Poesia de Walt Whitman

por Agar, em 16.10.12

 


Walt Whitman (Huntington, 31 de maio de 1819 – Camden, 26 de março de 1892) foi um poeta, ensaísta e jornalista norte-americano, considerado por muitos como o “pai do verso livre”. Paulo Leminski o considerava o grande poeta da Revolução americana, como Maiakovsky seria o grande poeta da Revolução russa.

Biografia

Walt Whitman, descendente de ingleses e neerlandeses, nasceu em West Hills, na cidade de Huntington, no estado de Nova Iorque. Contudo, quando tinha apenas quatro anos, sua família mudou-se para Brooklyn, onde este frequentou até aos onze anos uma escola oficial, trabalhando depois como aprendiz numa tipografia.

Em 1835 trabalhou como impressor em Nova Iorque e no Verão do ano seguinte começou a ensinar em East Norwich, Long Island. Entre 1836-1838 deu aulas e de 1838 a 1839 editou o semanário Long Islander, em Huntington. Voltou ao ensino depois de participar como jornalista na campanha presidencial de Van Buren (1840-41).

Em Maio de 1841 regressou a New York, onde trabalhou novamente como impressor.

Entre 1842-1844 editou um jornal diário, Aurora, e o Evening Tatler. Regressou a Brooklyn em 1845, e durante um ano escreveu para o Long Island Star, tornando-se de seguida editor do Daily Eagle de Brooklyn, lugar que ocupou de 1846 a 1848.

Em Fevereiro desse ano partiu com o irmão Jeff para Nova Orleans, onde trabalhou no Crescent. Deixou Nova Orleans em Maio do mesmo ano, regressando a Brooklyn através do Mississippi e dos Grandes Lagos.

Editou o Freeman de Brooklyn entre 1848-1849 e no ano seguinte montou uma tipografia e uma papelaria.

No início de Julho de 1855 publicou a primeira edição de “Leaves of Grass”, impressa na Rome Brothers de Brooklyn e cujos custos Whitman suportou. Os versos deste livro eram livres, longos e brancos, imitando os ritmos da fala.

A primeira edição da obra mais importante da sua carreira, não mencionava o nome do autor, e continha apenas 12 poemas e um prefácio.

A obra poética de Whitman centra-se na colectânea “Leaves of Grass”, dado que ao longo da sua vida o escritor se dedicou a rever e completar aquele livro, que teve oito edições durante a vida do poeta.

No Verão seguinte foi publicada a segunda edição de “Leaves of Grass” (1856), ostentando na capa o nome do seu autor. O livro foi recebido com entusiasmo por alguns críticos, mas mal recebido pela maioria, o que, contudo, não impediu Whitman de continuar a trabalhar em novos poemas para aquela coletânea.

A segunda edição de “Leaves of Grass” era composta por 32 poemas, intitulados e numerados. Entre eles encontrava-se Poem of Walt Whitman, an American, o poema que haveria de se chamar “Song of Myself” (Canto de Mim Mesmo).

Entre a Primavera de 1857 e o Verão de 1859 Whitman editou o Times de Brooklyn, sendo publicada a 1860, em Boston, a terceira edição da sua obra. Contudo, a editora foi à falência em 1861 e a edição, que continha 154 poemas, foi pirateada.

Entre 1863-1864 trabalhou para o Exército em Washington, DC, servindo entretanto como voluntário em hospitais militares. Regressou a Brooklyn doente e com marcas de envelhecimento prematuro causadas pela experiência da guerra civil.

Trabalhou posteriormente como funcionário do Departamento do Interior (1865) e publicou em Maio desse ano o livro “Drum-Taps”, que continha 53 poemas acerca da guerra civil e da experiência do autor nos hospitais militares. No mesmo ano foi despedido pelo Secretário James Harlan, por este ter considerado “Leaves of Grass” indecente.

Em 1867 foi publicada a quarta edição de “Leaves of Grass”, com 8 novos poemas. No ano seguinte saiu em Londres uma selecção de poemas de Michael Rossetti, intitulada “Poems by Walt Whitman”.

A quinta edição de “Leaves of Grass” (1870-1871) teve uma segunda tiragem que incluía “Passage to India” e mais 71 poemas, alguns dos quais inéditos.

Depois de publicar “Democratic Vistas”, Whitman viajou para Hannover, New Hampshire. Corria o ano de (1872). Na Faculdade de Dartmouth leu “As a Song Bird on Pinions Free”, posteriormente publicado com um prefácio. Em Janeiro de 1873, Whitman sofreu uma paralisia parcial. Pouco depois morreu a mãe e o escritor deixou Washington para se fixar em Camden, New Jersey, com o irmão George.

Em 1876 surgiu a sexta edição de “Leaves of Grass”, publicada em dois volumes. Em Agosto de 1880, Whitman reviu as provas da sétima edição de “Leaves of Grass”, que sob ameaças do Promotor Público teve de suspender a distribuição do livro.

A edição só foi retomada dois anos mais tarde por Rees Welsh e depois por David McKay. Incluía 20 poemas inéditos e os títulos definitivos e uma ordem dos poemas revista. Em 1882 foi ainda publicado o livro “Specimen Days and Collect”.

Os últimos anos de vida de Whitman foram marcados pela pobreza, atenuada apenas pela ajuda de amigos e admiradores americanos e europeus.

Em 1884, Whitman adquiriu uma casa em Camden, New Jersey. Quatro anos depois, sofreu um novo ataque de paralisia e viu publicados 62 novos poemas sob o título “November Boughs” (1888). Ainda nesse ano foi publicado “Complete Poems and Prose of Walt Whitman”.

A oitava edição de “Leaves of Grass” apareceu em 1889, e no ano seguinte o escritor começou a preparar a sua nona edição, publicada em 1892.

Whitman morreu no dia 26 de Março de 1892 e foi sepultado em Camden, New Jersey.

Cinco anos depois foi publicada em Boston a décima edição de Leaves of Grass (1897), a que se juntaram os poemas póstumos “Old Age Echoes”.

Nos seus poemas, Walt Whitman elevou a condição do homem moderno, celebrando a natureza humana e a vida em geral em termos pouco convencionais. Na sua obra “Leaves of Grass”, Whitman exprime em poemas visionários um certo panteísmo e um ideal de unidade cósmica que o Eu representa. Profundamente identificado com os ideais democráticos da nação americana, Whitman não deixou de celebrar o futuro da América.

Ficou ainda mais conhecido mundialmente a partir das citações inseridas no enredo do filme Sociedade dos Poetas Mortos.

Na série No Fim do Mundo, alguns poemas de Leaves of Grass são lidos na rádio local, originando uma disputa entre o locutor e o proprietário da rádio a propósito das supostas inclinações sexuais de Whitman e da conotação sexual da obra.

Fernando Pessoa escreveu um poema de nome “Saudação a Walt Whitman”.

“Introduziu uma nova subjetividade na concepção poética e fez da sua poesia um hino à vida. A técnica inovadora dos seus poemas, nos quais a idéia de totalidade se traduziu no verso livre, influenciou não apenas a literatura americana posterior, mas todo o lirismo moderno, incluindo o poeta e ensaísta português Fernando Pessoa.”

Características de Whitman

Muitas coisas chamam a atenção na obra de Walt Whitman, o grande poeta nacional dos EUA. Whitman era um eterno otimista, exaltando o progresso, a democracia e a transcendência infinita do gênero humano. Seus versos longos, quase em prosa, declamatórios, com um forte acento oratório, exaltados, que são a sua marca característica foram também uma revolução formal, assimilando os ritmos e a linguagem nativa de seu país e procurando romper a separação entre poesia e prosa. Inaugurava os versos livres, em linhas intermináveis que se assemelhavam mais a textos em prosa, abandonando a métrica e as rimas, mas que soavam maravilhosamente bem ao serem entoados em voz alta em uma espécie de sermão religioso. Foi o primeiro poeta norte-americano a ganhar projeção internacional e é ainda hoje considerado o maior de todos, acima de Poe, Emily Dickinson, T. S. Eliot, Ezra Pound ou Allen Ginsberg.

“Isso não é um livro; quem toca neste livro, toca em um homem”, afirmaria o poeta, sempre intenso, sempre grandiloqüente. Ele era o grande representante no terreno da literatura, do gigantesco movimento ascendente que realizava o setor mais dinâmico da burguesia norte-americana, formada pelos capitalistas industriais e banqueiros que promoveriam as transformações que desembocariam na Guerra Civil norte-americana, contra a parcela mais atrasada da burguesia nacional ligada ao escravagismo e ao latifúndio.

Sua obra, porém, permaneceu em grande medida desconhecida no país, e só começou a ser redescoberta na virada do século XX, ficando consagrada apenas em torno de 1920, com o advento do modernismo. Aí sim seus inovadores versos livres influenciariam toda a tradição poética moderna no país, como Ezra Pound, Gertrude Stein, William Carlos Williams e Allen Ginsberg. Este último, particularmente, chama a atenção em livros como Howl (Uivo) pelo íntimo parentesco formal com o poeta romântico.

Eterno entusiasta do progresso, possuiu idéias democráticas por toda a vida, ainda que no final da existência passasse a criticar duramente o capitalismo norte-americano após perceber os rumos que tomava o país em sua transição de capitalismo de província para um regime mais propriamente imperialista, revelando toda a selvageria de seus métodos de exploração. Sua desilusão com o mito democrático foi expressa em prosa crítica no livro Democratic Vistas.

A carreira jornalística

Walt Whitman nasceu em Nova Iorque, em maio de 1819, há 190 anos. Ele era o segundo de uma família de nove irmãos, filhos de um trabalhador civil. Muito cedo, a família mudou-se para o bairro do Brooklin, onde o futuro poeta permaneceria a maior parte de sua vida.

Após encerrar seus estudos em 1830, Whitman aprendeu a operar uma máquina gráfica e trabalhou como gráfico durante os seis anos seguintes para jornais nova-iorquinos. Desde 1841, no entanto, seus interesses se encaminharam cada vez mais em direção ao jornalismo. Trabalharia então, ao longo de toda a década de 1840, em diversos periódicos, como o Brooklyn Eagle em Nova Iorque, ou o New Orleans Crescent, de Nova Orleans, e acabaria por fundar também seu próprio jornal, o Long-Islander, após conseguir uma máquina tipográfica. Paralelamente, ele sempre manteria ofícios como a carpintaria e a redação de seus primeiros contos e poemas.

Apesar de sua origem simples e de fazer questão de vestir-se como um camponês, de chapéu de palha e roupas rústicas, Whitman estava longe ser um iniciante de conhecimento vulgar da literatura de seu tempo. Possuía um amplo conhecimento dos clássicos, tanto de Shakespeare quanto de Homero, além de ser um assíduo leitor de toda a literatura moderna européia de sua época, inclinado principalmente à obra dos românticos franceses, como George Sand e Victor Hugo, de onde viriam suas principais referências literárias. Seus primeiros versos traziam ainda a marca inconfundível do melodrama que fazia parte da tradição de publicações populares em seu país.

Seu amplo repertório literário acabaria dando à luz uma das obras mais inovadoras jamais surgidas até então nos Estados Unidos, a coletânea de poemas Folhas de Relva (Leaves of Grass).

O nascimento de uma nova literatura nacional

Existem poucas informação sobre a maneira como Whitman desenvolveu sua atividade poética até então. O que se sabe é que em 1855, era publicada uma edição de pequena tiragem de sua primeira obra, as Folhas de Relva.
O livro trazia em sua página de rosto a enigmática figura do poeta vestido em seus trajes simples, à maneira da população agrária de então. Era uma postura nada convencional para um homem culto do século XIX.

No prefácio para a obra, Whitman declarava a fonte de sua inspiração poética: os Estados Unidos, com suas amplas paisagens, seus desertos, montanhas, suas cidades, e seu povo.

Já nesse livro de estréia, o poeta mostrava uma ousada independência de toda a tradição literária européia de seu tempo. Possuía sua própria voz, seus próprios temas, sentimentos independentes, e mais do que tudo, utilizava uma linguagem poética também inovadora, sem nenhum precedente europeu, inaugurando uma forma poética livre e multiforme que só se popularizaria no cenário da poesia mundial cerca de meio século mais tarde, com o advento dos modernismos literários do século XX.

Utilizava em seu vocabulário poético as gírias e expressões coloquiais empregadas no cotidiano, palavras pronunciadas não pela elite intelectual do país, mas pela população pobre. Eram essas as pessoas que o poeta cantava em seus versos, a quem via como os legítimos norte-americanos, desprezando o artificialismo da burguesia nacional.

Whitman também colocava em prática seu desejo de abolir as barreiras entre a poesia e a prosa, desenvolvendo um idioma poético sem rimas, em versos longos, com linhas intermináveis, versos livres, nunca vistos até então, em poemas declamatórios, arrebatados e apaixonados, sempre otimistas, cantando as belezas da paisagem e da população da grande e jovem nação à qual pertencia.

Com Folhas de Relva, Walt Whitman inaugurava não apenas nos temas, mas também na forma, a literatura verdadeiramente nacional dos Estados Unidos, com um estilo, uma filosofia e uma linguagem próprias da tradição cultural do país. Segundo o próprio poeta fez questão de afirmar inúmeras vezes, sua musa eram os trabalhadores industriais, camponeses e toda a sorte de figuras degradadas e marginalizadas pelo emergente capitalismo norte-americano, ansiando sempre por sua libertação daquela condição miserável.

Apesar de formalmente sua poesia estar relacionada à literatura romântica, do ponto de vista do conteúdo Whitman apresentava já uma afinidade com o futuro realismo que dominaria a literatura dos mais diversos países.
Seu interesse estava completamente voltado para o mundo ao seu redor, e não mais às imagens idealizadas de heróis inexistentes típicos do romantismo. Ao contrário, o poeta teve seus heróis tirados diretamente da sociedade de sua época, bem como seu profundo interesse na superação dos graves problemas sociais e econômicos que flagelavam a população do País, abraçando a causa do abolicionismo, e com ela, os ideais democráticos que inspiravam a corrente mais progressista da burguesia norte-americana do século XIX.

Uma obra para toda a vida

O que inicialmente seria sua obra de estréia, acabou se revelando, no caso de Folhas de Relva, o trabalho de toda uma vida. Até o final de seus dias, o poeta reeditaria sua coletânea de versos sempre acrescentando mais poemas a ela, formando, ao final de nove edições expandidas, uma verdadeira “Bíblia”, apelido que o próprio poeta daria à sua obra capital, sua “nova bíblia”.

Num primeiro momento, o livro, porém, não causou grande interesse dentro de seu próprio país, cuja sociedade era em grande medida, muito mais provinciana e conservadora que as nações do outro lado do Atlântico.
Quando lançada a obra, Whitman enviou um exemplar para o filósofo, também norte-americano, Ralph Waldo Emerson, uma de suas principais influências literárias. Emerson ficou espantado com a força dos versos do jovem poeta, e lhe respondeu em uma hoje célebre carta em termos que dificilmente seriam mais elogiosos: “Acho que é a mais extraordinária peça de humor e sabedoria que a América produziu (…) Eu tenho o prazer de cumprimentá-lo pelo início de uma grande carreira”.

Apesar do reconhecimento do velho mestre, nos Estados Unidos ainda demoraria um certo tempo até obter o reconhecimento do público e da crítica nacionais. Antes disso, sua obra, que aparecera na Europa, ficou bastante popular entre diversos círculos literários importantes.

Nas primeiras versões de Folhas de Relva, Whitman concebera já alguns de seus mais famosos conjuntos de versos, Filhos de Adão, Calamus, Saúdo o Mundo e Pássaros de Arribação, entre outros, onde Whitman apresentava toda a riqueza de seus temas nacionais, os homens simples, os caçadores, o amor às mulheres, a virtude do trabalho, seu desejo de progresso, a beleza da vida e a confiança no futuro.

O programa artístico de Whitman

Particularmente significativos eram os versos contidos em Canto da Exposição, onde ele proclamava seu rompimento poético com a velha tradição e expunha o programa artístico que perseguiria por toda a vida:

Fora o romance antigo!
Fora com as novelas, histórias e peças de côrtes estrangeiras!
Fora os versos de amor açucarados em rimas, intrigas, amor de ociosos
Aptos só para banquetes à noite com bailarinas deslizando à música tardia,
Prazeres contra a saúde, extravagantes dissipações de uns poucos
Com perfumes, fogo e vinho, à luz de coruscantes candelabros!
A vós, sadias irmãs reverentes, peço a palavra em prol de temas mais sublimes para os poetas e a arte
Que exaltem o presente verdadeiro,
Que ao homem comum ensinem a glória de seu caminho e os afazeres diários,
Que cantem em canções quanto o exercício e a química da vida não sejam nunca para se desprezarem,
Seja o trabalho manual para cada um e todos – arar, cavar, capinar.
Plantar e enramar a árvore, as frutas, os legumes, as flores – que nisso todo homem veja que está fazendo alguma coisa de verdade, e toda mulher também,
Usar serrote e martelo (corte comprido ou atravessado), cultivar a tendência para a carpintaria, a plástica, a pintura, trabalhar com alfaiate, costureira, ama, estalajadeiro, carregador, inventar algo, uma coisa engenhosa, ajudar a lavar, cozinhar, arrumar,
E não considerar desgraça alguma dar uma mão a si mesmo.
Eu digo, Musa, que hoje e aqui te trago todas as ocupações, deveres de longe e perto, trabalho, trabalho bom e suor, infinito, sem parada.

Aí, estava contida toda a força de sua rejeição à tradição aristocrática da cultura e particularmente da literatura que circulava pelos Estados Unidos, ainda subordinada à tradição européia. A tradição aristocrática seria enterrada com a guerra civil que descortinaria um novo país.
Daí sua busca por uma forma poética e temas diretamente voltados para a população trabalhadora norte-americana.
O canto, porém, que sintetizava todas as qualidades da poesia e da visão de Whitman estava contido em um de seus poemas de estréia: Canto a mim mesmo.

Um poema-manifesto

Nessa primeira edição de Folhas de Relva, destacava-se mais do que qualquer outro, o notável poema, Canto a mim mesmo, que posteriormente seria expandido.
Nele, Whitman expunha diversos aspectos de visão de mundo:

Celebro a mim mesmo, e canto a mim mesmo,
E o que eu assumo deveis assumir,
Pois cada átomo que me pertence a vós pertence também.
(…)
Descubram-se! Não são culpados, para mim, nem maus nem postos à margem,
Vejo através da roupa de lã ao de algodão se sim ou não,
E fico em volta, pertinaz, aquisitivo, infatigável, e não posso ser mandado embora.
(…)
Vivas àqueles que fracassaram!
E àqueles cujos navios de guerra afundaram no mar!
E àqueles que em pessoa afundaram no mar!
E a todos os generais que perderam nas manobras e foram todos heróis!
E ao sem número de heróis desconhecidos equivalentes aos maiores que se conhecem!
(…)
Eu sou o poeta do Corpo e sou o poeta da Alma,
As delícias do céu estão em mim e os horrores do inferno estão em mim,
O primeiro eu enxerto e amplio em meu redor, o segundo eu traduzo em nova língua.

Canto a mim mesmo era sua poesia manifesto, nele estava condensada à sua maneira, toda sua filosofia, seu deslumbramento diante do mundo, sua autoconfiança, seu amor aos pobres e derrotados e acima de tudo, seu desejo de transcendência, uma defesa do progresso, da democracia popular e do homem comum trabalhador que resgata o sentido revolucionário e popular da democracia burguesa dos primeiros tempos. Assim como outros contemporâneos, suas idéias transitavam da democracia na direção do socialismo. Whitman tinha em mente ao exaltar febrilmente a necessidade da democracia, a conseqüente fraternidade e a camaradagem entre os homens. Naquele momento, nos Estados Unidos, a democracia era associada diretamente à causa abolicionista, a luta por direitos jurídicos igualitários, o direito de uma representação política própria e ao progresso social em geral.
A democracia que Whitman imaginava, no entanto, nada tinha a ver com a maneira como se ergueria o regime democrático norte-americano, ao qual, Whitman ao final da vida faria diversas críticas.

A Guerra Civil

Não há dúvida de que a enorme transformação social que abriria caminho para o desenvolvimento capitalista norte-americano realizada pela Guerra da Secessão foi um fato decisivo na literatura de Whitman. Com a eclosão da Guerra Civil, Whitman seguiu para Virgínia, em busca de seu irmão. Em sua viagem, que terminaria em Washington, o poeta presenciou em primeira mão toda a violência dos conflitos. Ao chegar na capital norte-americana, Whitman trabalhou como voluntário em um hospital de campanha, onde quase morreu vítima de malária.

Seu contato direto com a doença e a morte seria impresso com vigor em seus versos seguintes. Essa etapa de seus versos seria também inclusa em Folhas de Relva sob o título geral de Repiques de Tambor. O poeta trabalharia nos hospitais de campanha durante mais de três anos, a partir de 1862.

Em 1º de Abril de 1865 terminava a guerra civil com a vitória dos unionistas. Apenas um ano antes, Abraham Lincoln fora reeleito, tornando-se o líder político máximo das duas forças em guerra. Apenas alguns dias após a rendição dos confederados, Lincoln era baleado na cabeça enquanto assistia uma peça no Teatro Ford, na capital norte-americana. Seu assassino era um dos mais famosos atores teatrais de seu tempo, um sulista adepto da causa dos Confederados.

O assassinato do recém vitorioso presidente da União colocou em estado de choque todos aqueles que haviam de dedicado bravamente pela vitória dos unionistas. E foi Walt Whitman o homem que conseguiu transformar em versos aquela comoção nacional, com seu célebre poema, Ó capitão! Meu capitão!.

Ó capitão! Meu capitão!Terminou a nossa terrível viagem,
O navio resistiu a todas as tormentas, o prêmio que
buscávamos está ganho,
O porto está próximo, ouço os sinos, toda a gente está exultante,
Enquanto segue com os olhos a firme quilha, o ameaçador e temerário navio;
Mas, oh coração! Coração! Coração!
Oh as gotas vermelhas e sangrentas,
Onde no convés o meu capitão jaz,
Tombado, frio e morto.
(…)
O meu capitão não responde, os seus lábios estão pálidos e imóveis,
O meu pai não sente o meu braço, não tem pulso nem vontade,
O navio ancorou são e salvo, a viagem terminou e está concluída,
O navio vitorioso chega da terrível viagem com o objetivo ganho:
Exultai, ó praias, e tocai, ó sinos!
Mas eu com um passo desolado,
Caminho no convés onde jaz o meu capitão,
Tombado, frio e morto.

Este foi o mais famoso e um dos mais belos poemas de um ciclo de poesias também incorporados a Folhas de Relva, dedicados a Lincoln e intitulado Recordações do Presidente Lincoln.

Devido aos serviços voluntários prestados aos unionistas, posteriormente, em 1865, Whitman seria indicado ao cargo de Oficial do Departamento do Interior para as questões indígenas. Ele era já então considerado uma das grandes vozes poéticas dos Estados Unidos.

Uma verdade sobre a democracia

Em 1871, veio à luz aquele que provavelmente é seu mais importante trabalho em prosa, o livro Democratic Vistas. Nele, o poeta mostrava seu desencanto com os rumos que tomava o regime político norte-americano, que se mostrava cada vez menos democrático e mais sujeito a esquemas eleitorais automáticos, à margem da vontade popular. Eram os anos das primeiras manifestações precoces da etapa imperialista em que economia capitalista mundial começa a sua longa decadência, que cerca de 40 anos mais tarde deflagraria o mais destrutivo conflito mundial já visto pela humanidade. A Primeira Guerra, que culminaria com a derrubada de quatro impérios, a reorganização radical do mapa europeu e a transformação dos Estados Unidos na maior potência capitalista no mundo, com o esgotamento dos colonialismos do velho continente.

Em seu livro, Whitman expressava: “Temos escrito demasiadas vezes a palavra Democracia. Contudo, nunca será demais repetir que essa é uma palavra da qual o conteúdo verdadeiro dorme ainda longe de ser despertado, não obstante a repercussão e as muitas tempestades raivosas, da língua e da pena, com que suas sílabas têm sido articuladas. É uma grande palavra, cuja história imagino que permanece por ser escrita, pois essa história ainda está para ser posta em prática.”

Suas palavras pesarosas revelavam a desilusão profunda daquele que é até hoje propagandeado como “o poeta da democracia”. Whitman compreendia que a democracia real, ou seja, aquela que existia de fato e era reivindicada exaustivamente pelos piores criminosos nacionais em defesa de seus interesses mais mesquinhos, não representava mais do que a perpetuação de um novo regime de dominação escravagista, erguido sobre novas bases, mas que reproduzia o mesmo esquema vicioso de apropriação da riqueza do país por uma ínfima minoria que se apoiava na tal democracia tão somente para resguardar seus direitos de proprietários contra a ampla maioria dos trabalhadores norte-americanos. Contra os mesmos flagelados que eram a fonte primordial de inspiração para os versos de Whitman.

Sua figura aparece, nesse sentido, não tanto como o “poeta da democracia” como assinalam muitos, mas mais como o poeta do mito democrático, um mito que em país algum é tão arraigado como nos EUA. Sua democracia, baseada na fraternidade dos seres humanos passou da luta revolucionária dos anos 60 para a dominação dos grandes capitalistas sem nunca se realizar.

Sincero consigo mesmo, o poeta se viu obrigado a rejeitar tudo aquilo que ia contra seus anseios de “plantar o companheirismo denso como o arvoredo ao longo de todos os rios, às margens dos grandes lagos e todas as pradarias”. O poeta ansiava mais propriamente, mesmo que não se desse conta disso, a uma sociedade sem antagonismos de classe, onde todos os trabalhadores servissem a um bem comum. Cada um e todos trabalhando para o progresso do país, e não vivendo uma guerra insana de cada um contra todos que era a essência das contradições do capitalismo que emergia com toda a força nos Estados Unidos após a vitória de Lincoln e da União. A visão mítica de Whitman somente se realizará quando os EUA e o mundo forem socialistas.

Mesmo assim, o poeta continuou cantando em versos livres seus sonhos sociais, e sempre se vendo como o “cantor da pessoa humana, delineando o que está por ser, o que eu projeto é a história do futuro.” (…) “O que é conhecido eu deixo; chamo a todos os homens e mulheres para a frente comigo, pelo Desconhecido” (…) “Eu mesmo escrevo apenas uma ou duas palavras de indicação do futuro.”

A última edição ampliada de Folhas de Relva seria publicada em 1892, a edição que hoje circula pelas livrarias do mundo, uma obra colossal com mais de uma centena de versos.

Whitman, que sempre preferiu ser chamado de “poeta do povo”, em 1873 sofreu um infarto e permaneceu em reclusão em sua casa em Nova Jérsei até o final de seus dias, em março de 1892.

Deixei por ultimo esta bela poesia…

A Base de Toda a Metafísica

E agora, cavalheiros, eu vos deixo
uma palavra
que fique nas vossas mentes
e nas vossas memórias
como princípio e também como fim
de toda a metafísica.

(Tal qual o professor aos estudantes
ao encerrar o seu curso repleto.)

Tendo estudado antigos e modernos,
sistemas dos gregos e dos germânicos,
tendo estudado e situado Kant,
Fichte, Schelling e Hegel,
situado a doutrina de Platão,
e Sócrates superior a Platão,
e outros ainda superiores a Sócrates
buscando pesquisar e situar,
tendo estudado bastante o divino Cristo,
eu vejo hoje reminiscências daqueles
sistemas grego e germânico,
deparo todas as filosofias,
templos e dogmas cristãos encontro,
e mesmo sem chegar a Sócrates eu vejo
com absoluta clareza,
e sem chegar até o divino Cristo,
eu vejo
o puro amor do homem por seu camarada,
a atração de um amigo pelo amigo,
de uma mulher pelo marido e vice-versa
quando bem conjugados,
de filhos pelos pais, de uma cidade
por outra, de uma terra
por outra.


Walt Whitman, in “Leaves of Grass”

 

 

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publicado às 02:42

O Autoconhecimento

por Agar, em 03.10.12

 

1. Introdução


Seu navegador não oferece suporte para quadros embutidos ou está configurado para não exibi-los. Há muitos séculos o ser humano tem se debruçado no estudo da mente, utilizando seus esforços para a compreensão das profundezas da alma.

Fobias, aversões, inibições, sentimentos, alegrias e outras manifestações da alma humana, têm sido pesquisadas com afinco, por todos aqueles que, nas diversas épocas da história das civilizações, desejaram desvendar o grande mistério da vida.

Vários filósofos, psicólogos, pensadores, cientistas e religiosos tentaram compreender, o que vem além da vida.

Perguntas foram feitas por esses pesquisadores e cada um a seu tempo,  usando os métodos de sua cultura, procuraram respondê-las. De onde viemos? Para onde vamos? Esta vida é a única? Temos alma? Somos somente matéria? Qual o sentido de nossa existência? Elas permearam as preocupações humanas através dos séculos. Procurar respondê-las é uma necessidade, que mais dia, ou menos dia, todos sentimos.

Discutir, pesquisar, estudar, debater, eis o lema. Avançar, superar os bloqueios dados pelos preconceitos e ultrapassar o lugar comum, a que tantos se apegam.

É preciso procurar o novo, o verdadeiro, o essencial, eis o objetivo fundamental.

O que pretendemos apresentar sob este título?

Todas as expressões da mente humana, que alargam os nossos limites existenciais, favorecendo a ampliação da autoconsciência, de nossa compreensão a respeito de nós mesmos.

Para que possamos realmente atingir graus superiores de autoconhecimento, temos que, gradativamente, ir promovendo o descobrimento de nossas potencialidades mentais. A inteligência, afetividade, vontade e paranormalidade são recursos poderosos ao nosso alcance, para a ampliação da consciência.

Ela ocorre através dos embates, que travamos diariamente na luta pela sobrevivência e evolução. Capacidades e habilidades, que antes não eram manifestas, acabam por se expressarem em nosso quotidiano.

A orientação desse desenvolvimento é dada, em nossas vidas, ora no sentido de uma maior compreensão do mundo exterior, ora no sentido de um aumento da compreensão de nossas vivências interiores, dependendo sempre das experiências e necessidades que temos.

Para que possa ocorrer de modo intenso, para além daquilo que, naturalmente a vida nos reserva, as ciências do comportamento, desenvolveram métodos que propiciam a aceleração de nossos processos de conscientização da realidade.

A autoconsciência profunda é uma volta da atenção para nosso mundo interior, dada tanto pela introspecção quanto pela psicoterapia. Ela nos permite uma maior e melhor compreensão de nossos motivos, sentimentos e atitudes, que determinam nossos comportamentos manifestos. O autoconhecimento, nesse nível, favorece um aperfeiçoamento de nosso modo de ser.

Paralelamente a consciência do mundo exterior é conseguida através do progresso cultural, o qual é dado pelas constantes descobertas das leis da natureza e de suas aplicações.

Por outro lado, pelo desenvolvimento da percepção extra-sensorial, nem sempre entendida e aceita ou desenvolvida adequadamente, pode levar a um conhecimento para além dos sentidos físicos. As funções psíquicas da telepatia, clarividência, retrocognição e précognição, são algumas das que despontam do inconsciente humano.

No entanto, a tarefa de retirar os véus que encobrem a visão da realidade não é fácil. O medo, a ignorância e o preconceito, frequentemente impedem a visão de profundidade.

Por vezes as pessoas se sentem cerceadas e incapazes de mudarem seu próprio destino.

O apego às circunstâncias gera grande sofrimento, já que tudo está em constante mudança, fazendo com que cada um as perca a cada instante.

Para que se possa conseguir tudo o que de mais caro é desejado, é preciso, acima de tudo, a ampliação da consciência. Só assim, é que se pode alcançar graus superiores de libertação e adentrar na compreensão da essência do real.

Se a vida humana é percebida como um todo, pode-se ver que, do ponto de vista psicológico, é uma sucessão contínua de experiências que terminam com a morte.

E o que acontece com a mente durante todo esse conjunto?

Aprende, desenvolve-se, transforma-se, em uma palavra evolui.

Assim, parece ser esse, essencialmente, o sentido da vida humana.

Se assim é, então o que pode e deve ser feito é a ampliação incessante da consciência, pelos meios mais adequados à promoção do bem-estar, saúde e felicidade.

Logo, toda e qualquer ação que venha a dificultar este desenvolvimento deve ser evitada e, se já tiver ocorrido, minimizada ou eliminada, diminuindo e até anulando seus efeitos.

Intuitivamente pode-se compreender, que à medida que a compreensão aumenta, superando os limites existentes, pode-se sentir o bem-estar decorrente da auto-realização, consequência da evolução intelectual, afetiva e social atingida.


2. Contribuição da Psicoterapia


Foi em julho de 1895, que Sigmund Freud conseguiu interpretar um sonho dele mesmo,  abrindo assim uma avenida para a compreensão do inconsciente. O achado lhe veio no interior de um restaurante, o Bellevue, de Viena (Áustria), local em que está hoje colocada a placa que o mesmo Freud sugeriu “... aqui, no dia 21 de julho de 1895, o segredo do sonho se revelou ao doutor Sigmund Freud”. A interpretação dos sonhos, título, aliás, de um dos seus trabalhos fundamentais, seria, ao lado do método da livre associação, a base da, então, novíssima terapia psicanalítica.

Freud revelaria na mente humana três aspectos: id (sede dos instintos), ego (consciência que visa à realização dos desejos) e superego (a censura moral aprendida no meio familial e no social). Veio, posteriormente, a revelação da sexualidade infantil a qual segundo a psicanálise freudiana, é a base fundamental de todo o desenvolvimento psicológico; a descoberta da relação conflituosa com o pai e mãe – os famosos complexos de Édipo e Electra - em cuja não-resolução estaria a causa das neuroses; das fases da evolução dessa sexualidade (oral, anal, fálica, latência e genital). Daí a acusação de pansexualismo. Mais tarde, Freud formularia a hipótese do instinto de morte (Thanatòs), contraposto ao de vida ou sexual (Eros).

A nova teoria acabaria por extrapolar o âmbito da terapia para invadir os mais diversos campos: antropologia, história, estética, filosofia, medicina, dentre outros, constituindo-se mesmo numa nova ciência do homem.

O estudo dos casos e a disposição de ajudar seus pacientes fizeram com que Freud se deparasse com uma enorme quantidade de descobertas, de valor inestimável, para a psicologia científica. Descobriu que repousava na recordação das experiências traumáticas e na sua resignificação, a cura dos diversos transtornos emocionais. Assim, ele erigiu a psicanálise. Suas teorias de terapia e da personalidade emergem como decorrência da investigação científica, um conhecimento erguido, portanto, a posteriori. 

Um século depois, a aceitação da psicanálise como método e teoria científica continua objeto de controvérsia. Mas o que não pode ser colocado em dúvida, é que ela embebeu as mais diversas áreas da cultura dos nossos dias, onde palavras como complexo, recalque, inconsciente dentre tantas outras, fazem parte do vocabulário moderno.

O trabalho deste cientista, sem dúvida, foi um marco importante na valorização do autoconhecimento na sociedade moderna.

O pioneiro movimento psicanalítico influenciou de tal forma a psicoterapia, que não há nenhuma outra forma de terapia psicológica, tais como a gestalterapia, psicoterapia humanista, cognitivo-comportamental e transpessoal, dentre outras, que não busque, hoje, o desenvolvimento da autoconsciência. Pode-se mesmo dizer, que o próprio tratamento em si é feito por meio do autoconhecimento.

Sem o saber relativo a si mesmo, o indivíduo não consegue se libertar da trama de seus auto-enganos. E nesta libertação repousa sua própria evolução interior.


3. Visão Filosófica


Em contraparte, na filosofia, o autoconhecimento é, ao mesmo tempo, um objeto de investigação gnosiológica e ética. Quando visto como objeto da investigação gnosiológica, o que se busca é o entendimento da psique em si; podendo-se falar, então, de uma psicologia filosófica (disciplina que usa o método racional, no estudo do comportamento humano). Quando visto dentro de uma perspectiva ética, o que se busca é a transformação interior, que leve o sujeito a superar seus problemas e dificuldades, tornando-se um ser humano melhor.

O autoconhecimento algumas vezes é obtido através da meditação,  que é uma prática oriunda da ioga e de outras correntes do pensamento oriental. Ao lado disso, as psicoterapias de insight, tais como a psicanálise, gestalterapia e terapia centrada no cliente, dentre muitas outras têm seus métodos próprios para a promoção da autoconsciência.

Independentemente do processo considerado, o indivíduo entra em contato com seu mundo interior, visto que percebe suas vivências (pensamentos, emoções, paixões, sentimentos e desejos) de uma maneira que é impossível para as demais pessoas. Tal tipo de acesso é único e, portanto, é, em princípio, a expressão de sua verdade, porquanto o que o sujeito diz sinceramente, daquilo que vivencia, deve ser considerado como o que ele experimenta, enquanto o que uma outra pessoa diz que o que se passa com ele, usualmente não é um relato que desfrute da mesma veracidade e importância.

O conhecimento de si mesmo difere do conhecimento de outras pessoas e coisas por ser imediato à percepção, não dependendo da mediação dos órgãos dos sentidos. Pode-se dizer que o autoconhecimento é fruto da introspecção.


Como conhecer a si próprio?


No texto abaixo algumas questões foram levantadas para que se possa entender, de forma direta, como pode se dar a experiência introspectiva.


1. Como pode o homem moderno conhecer-se melhor?


Através da busca constante de si mesmo, por meio do questionamento de sua própria conduta. Quanto maior for o número de perguntas feitas a si próprio em relação aos seus motivos pessoais, maior será o conhecimento adquirido de si mesmo, que se aprofundará à medida que for levantando mais e mais indagações.


2. O ser humano pode mentir para si mesmo, procurando dar respostas que não são verdadeiras?


Sim, isso é possível e é por isso mesmo, que em muitas vezes deve procurar a ajuda de alguém, que possa auxiliá-lo a esclarecer-se melhor.


3. Quais são as principais mentiras, que o ser humano pode usar para o auto-engano?


A primeira grande mentira, é que não se tem defeitos ou problemas, que é perfeito como está e que não necessita de mudanças. Este tipo de falácia, leva à estagnação do espírito, em nada contribuindo para sua melhora de vida e felicidade. Outra grande fantasia é a de que já fez suas mudanças depois de muito esforço, que é bom e virtuoso e que, portanto, é melhor que os outros. Nada pior do que isto, pois, assim, estará agindo de modo a negar seus defeitos comportamentais. Outras, ainda, poderão ser escolhidas no imenso repertório das falsidades humanas, tais como que tudo está bem na vida, quando se tem, na verdade, grandes problemas; ou que o que acontece de errado é culpa de Deus ou dos outros, quando, de fato, se olhar bem o que foi feito, verá que, na maioria das vezes, provocou, por negligência ou má escolha, as dificuldades pelas quais está passando; ou que se é imensamente corajoso, quando, na verdade, o que há é uma grande covardia; e assim por diante.

Deve-se, portanto, estar alerta para as mentiras que cada um pode dizer a si próprio.


4. Há alguma prova científica do valor do autoconhecimento?


Sim, pois as psicoterapias modernas fazem uso de técnicas, que levam os pacientes a adquirirem um maior conhecimento de si próprios, para que, com isso possam melhor resolver seus problemas de natureza emocional. Com o aumento da autoconsciência, os indivíduos podem melhor elaborar as mudanças interiores de que necessitam.

5. Como deve o indivíduo proceder para se conhecer mais e melhor?

Procurar desenvolver a atitude de compreensão não crítica em relação a si e aos outros. Isto é, efetivamente, uma manifestação de amor.

Feito isso, à medida que for perguntando a si  o que sente, o que quer, o que faz, o que o move, o que evita e assim por diante, as respostas irão sendo formadas na consciência e, então, terá condições de efetuar as mudanças necessárias em seu próprio comportamento.


6. Quais são os limites da introspecção?


Eles são dados pela dificuldade do ser humano enxergar-se com total isenção de ânimo, visto que tende a torcer a sua realidade interior, em função de seu autoconceito, visando mantê-lo.


7. Como isso pode ser evitado?


Para uma melhor compreensão de si, é preciso que o indivíduo receba a ajuda de outra pessoa, devidamente treinada para proporcionar autoconhecimento. Nesta cultura psicoterapeutas e aconselhadores profissionais, que poderão ajudá-lo a se perceber mais profundamente, com a compreensão de seus motivos, conflitos, desejos e experiências condicionantes, que estão ocultos de sua consciência.


8. A psicoterapia e o aconselhamento substituem a introspecção?


De modo algum, pois elas são mutuamente complementares e importantes na busca do saber sobre si mesmo.

9. Como então considerar as diferenças de grau entre introspecção e atendimento psicológico?

Pode-se afirmar que a introspecção fornece um autoconhecimento mais superficial e que pode ser utilizada diariamente, portanto, com muita frequência. Já o atendimento psicológico, seja psicoterapia ou aconselhamento psicológico, favorece um autoconhecimento mais profundo, isto é, daquilo que está esquecido ou oculto da consciência, mas por ser um trabalho profissional, é utilizado com uma menor frequência.

Assim, ambas as formas de aquisição de autoconhecimento, ajudam o ser humano a se encontrar e podem ser utilizadas em conjunto; favorecendo um maior bem-estar, contribuindo para a saúde física, mental, social e econômica das pessoas.

10. Há algum método simples e de fácil uso, que ao mesmo tempo tem fundamentação científica e que, por isso pode ser utilizado pela maioria das pessoas?

Sim, há um método desenvolvido pelo autor, que está fundamentado na “Técnica do Conscientizar-se” da Gestalterapia e em algumas formas de meditação. No link Meditação Clínica  essa metodologia está devidamente exposta.


4. Comentários Finais


Pensadores como Sócrates, Platão e Spinoza, e cientistas como Freud, Jung e Rogers, dentre tantos outros, fazem parte de uma tradição cultural que vê o autoconhecimento como uma conquista ou realização do Homem em relação si mesmo e que promove a saúde e a liberdade. Esse projeto ético e psicológico tem suas raízes na frase vista por Sócrates na entrada do oráculo de Delfos, que tanto o influenciou: “conhece-te a ti mesmo”; a qual, sem sombra de dúvida, deu início à psicologia na Antiguidade e continua a impulsionar psicólogos, psiquiatras, antropólogos e filósofos modernos na busca do “eu”.

Há subdivisões nesta postura. Tem-se a visão esposada pelos filósofos da Grécia e de Roma, na Antiguidade Clássica, que advogavam o autoconhecimento como um bem em si mesmo, pois levaria, necessariamente, a uma maior felicidade enquanto a alma estivesse de passagem pela vida na Terra. Posteriormente, na Idade Média, com o surgimento da visão confessional, ele passou a ser encarado como um meio de ascensão espiritual na busca pelo Paraíso e por Deus. Em seguida, autores mais modernos, na filosofia, propuseram este meio como uma forma de se promover à autocrítica cultural e, por consequência, política. Portanto é este um meio para superar a alienação do homem moderno e promover a transformação das normas sociais e econômicas.

Por fim, surgiram os psicoterapeutas, que embasados na aplicação de seus conhecimentos interdisciplinares e tendo como meta a superação dos distúrbios emocionais e mentais de seus pacientes, passaram a entender o autoconhecimento como um meio de promoção do bem-estar, visando à saúde mental e orgânica do ser humano.

Hoje em dia, essas quatro subdivisões persistem e se entrecruzam no emaranhado de pontos de vista e ações que permeiam a vida humana moderna, nesta civilização. Por contribuir para a felicidade, ascensão espiritual, transformação social, saúde e bem-estar humano, entende-se o autoconhecimento como um recurso indispensável à vida moderna e, portanto, é fundamental que seja divulgado por todos os meios disponíveis, a fim de que passe a ser buscado em alta escala pela maioria dos seres humanos.

Essa tradição cultural vê o autoconhecimento como um processo de auto-realização e não como algo dado, facilmente disponível, ou ainda, que pode ser imposto por autoridades, grupos, organizações ou pelos estados nacionais. Para conhecer-se, a pessoa precisa aceitar-se, manifestar-se, perceber-se e entender a si própria. Isso não dispensa a ajuda vinda de outrem, que alicerçado em conhecimentos oriundos da psicologia, antropologia, psiquiatria e filosofia, pode fornecer estímulos e caminhos facilitadores.

Isto tudo leva, necessariamente, à seguinte e última conclusão: a ignorância de si próprio leva o ser humano a cometer seus erros e maldades e o autoconhecimento a superação de ambos. Logo, “a ignorância de si é a raiz de todos os vícios e a autoconsciência a base de todas as virtudes”.


5. Bibliografia

 

 


ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2009.

ASSAGIOLI, Roberto. Psicossíntese. Manual de princípios e técnicas. São Paulo: Cultrix.

BANDLER, Richard & GRINDER, John.  Atravessando. Passagens em psicoterapia. São Paulo: Summus, 1984.

_____.  Resignificando. Programação neurolinguística e a transformação do significado. São Paulo: Summus,1978.

_____. A estrutura da magia. Rio de Janeiro: Zahar, 1977.

FREUD, Sigmund; STRACHEY, James; FREUD, Anna. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 2006. 24 volumes.

FROMM, Erich. Medo à liberdade. 6ª edição. Rio de Janeiro: Zahar, 1968.

JUNG, Carl Gustav. A Dinâmica do Inconsciente. Trad. Pe Dom Matheus Ramalho Rocha. 3ª edição. Rio de Janeiro: Vozes, 1998.

JUNG, Carl Gustav; ELMAN, Araceli; BONAVENTURE, Léon. Fundamentos de psicologia analítica. 12ª Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.

PINCHERLE, Livio Tulio, LYRA, Alberto & OUTROS - Psicoterapias e estados de transe. São Paulo, Summus: 1986.

PINCHERLE, Livio Tulio. & SILVA, D. B. T. Terapias Regressivas: Memórias dos Primórdios da Vida, in Pediatria Atual, 10: 42 - 44. São Paulo.

RING, Keneeth; WEIL, Pierre; DEIKMAN, A. Cartografia da consciência humana. vol. 5/1. Petrópolis: Vozes.

ROGERS, Carl Ransson. Tornar-se pessoa. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

WOLBERG, Lewis Robert - Psicoterapia breve. Trad. Álvaro Cabral. São Paulo: Mestre Jou, 1979.

 

 

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